quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A Ascendência Espanhola.


Os Carneiros e a Estrela (Parte III) por Kate Agnelli.

Tereza.

Devido a Primeira Guerra Mundial, muitos foram forçados a se despedir de uma Europa em chamas. Embora a Espanha não tivesse participação efetiva na guerra, os rumores iam e vinham por todo lado. Antonio Sanchez assustado e temendo uma nova repetição inquisidora em seu país, vendeu o comércio de vinhos que possuía em Sierra Nevada. Era viúvo, de origem Sefardita. Sua mulher Francisca morrera de câncer. Pensou muito, trocou todo o seu dinheiro por Libras Esterlinas ( era a moeda forte da época ), tomou sua filha Tereza e seu filho Pepe e rumou para o Brasil. Estava desolado e sem destino. Deixava toda uma vida muito bem conhecida nas montanhas. Não sabia o que iria encontrar pela frente, mas teve a audácia de tentar.

Chegou num daqueles navios carregados de esperança, que atracavam no porto de Santos. Quando pela primeira olhou para o Brasil, comparou-o a um pavão. Tal o colorido que se abria ao seu redor no amanhecer. Estava acostumado aos tons suaves das montanhas da Andaluzia. Indicaram-lhe uma pensão para imigrantes. Atordoado pela viagem e sem entender o Português direito, parecia estar dentro de um sonho. Foi descansar numas das muitas pensões para imigrantes que existiam por lá, naquele tempo. Muitos também eram os gatunos prontos para dar o bote no primeiro inocente. Dois deles logo perceberam que Antonio Sanchez estava sozinho com uma filha jovem e um menino, ficaram observando. Armaram uma falsa briga quando ele passava. Atordoado pela violência o pobre Antonio tentou salvar a falsa vítima. Foi roubado em todas suas economias. "Asta para cruzar la cali hay que ser profissional", foi o que lhe disse sua filha, depois do ocorrido. Ali mesmo na região do porto separou-se a família... Viajaram de trem com tantos outros imigrantes de várias nacionalidades todos em direção à São Paulo. Através das janelas do trem olhavam espantados a vegetação exuberante da Serra do mar. Folhas imensas, árvores floridas. Não podiam acreditar em tanta beleza. Haviam visto muitas flores, mas em arbustos pequenos. Tudo era claro, tudo muito verde...
E o mar foi ficando para trás, o céu casando com as montanhas ao longe e a Espanha perdida para sempre...Tereza nunca perdoou o pai por ser tão ingênuo numa terra estranha. Por sua ingenuidade pagaram caro. Foram parar na imigração que os selecionou para trabalhar numa fazenda de café. Eles que sempre foram comerciantes. Foi tudo muito difícil para Tereza que recém saída de um colégio, falava Francês, lia D. Quixote e sabia decor o Latim. Era delicada, muito branca, com longos cabelos castanhos claros e olhos cinzas. Sua figura esguia encantava pela beleza e educação. De nada valeram seus dotes, foi parar mesmo na cozinha da fazenda. No primeiro dia de trabalho olhou espantadíssima com o tamanho das panelas. Enquanto aprendia a lidar com elas percebeu que um vulto estranho aparecia e desaparecia na porta da cozinha. Assustada, imaginava estar tendo visões ou ficando maluca por causa das atribulações que passara. Pegou uma espingarda, que estava pendurada na parede, mas nem podia com o peso, também não sabia como funcionava, mas era uma arma!
De repente o vulto pulou na sua frente dando uma gargalhada. Tereza soltou um grito e derrubou a espingarda. O vulto era um negro que logo a ajudou a recompor-se. Ele ajudava nos serviços gerais da casa. Tereza nunca tinha visto um africano em toda sua vida. Seu coração batia mais que os tambores da África. Aos poucos foram se entendendo entre as panelas e o fogo. Um equilíbrio necessário para a sobrevivência de ambos. Vez ou outra Tereza flagrava o negro observando-a completamente hipnotizado. Um arrepio de frio percorria sua espinha.
Certa noite sob a luz fraca de uma lamparina Tereza lia os jornais para os outros empregados, quando foi surpreendida pelo patrão. Furioso o homem tomou-lhe o jornal das mãos e mandou que todos fossem dormir, pois os pagava para trabalhar e não ler jornais. Grande desgraça de Tereza, o fazendeiro era analfabeto, contou lhe o negro. Jamais perdoaria uma empregada sua ser letrada. Começou a perseguí-la. A inteligência sempre assustou o poder em todos os tempos... O negro avisou-a que o homem não era de brincadeira. Ele mesmo já tinha visto muita coisa feia durante sua vida naquele lugar. Com medo Tereza chamou seu pai e expôs a situação O velho Antonio, embora cansado, pois os anos já pesavam, num ímpeto de coragem, fez suas trouxas e resolveu fugir dali com a filha. Era uma noite quente, nublada. O bom negro ajudou-os a chegar até os trilhos do trem, pois sabia andar muito bem na escuridão. Sem saber que direção tomar optaram por seguir a estrada de ferro, única coisa que conheciam bem, com certeza daria em algum lugar... Entre tombos e arranhões, cansados de andar apalpando a escuridão, numa noite de poucas estrelas, pararam para descansar. Num determinado momento um raio de luz iluminou as faces de Tereza. Chamou o pai que já estava adormecido pelo cansaço. Os dois maravilhados viam pequenas luzes que acendiam e apagavam. Logo imaginaram ter encontrado alguma civilização. Correram cheios de esperanças, como pequenas mariposas em direção àquelas luzes, mas elas continuavam indo de um lado para outro sem direção definida. Apareciam e desapareciam. Atordoados, caíram num lamaçal. Estavam exaustos. Não eram luzes. Eram umas das nossas pequenas maravilhas da natureza os pirilampos... Eles não conheciam, nunca tinham visto tal coisa nas montanhas de Sierra Nevada. Voltaram a caminhar pelos trilhos de ferro, pois de natureza tropical pouco entendiam. Cansados, desiludidos...
Enquanto caminhava Tereza via passar pela sua memória imagens e paisagens da sua infância nos campos altos da Andaluzia. Via-se atirando flocos de neve nas cabritas, podia ver a Espanha do alto, e conseguia ver tão longe...
Quantas vezes deitada na relva, imaginara-se viajando para além daquele horizonte na estrada do arco-íris para encontrar um pote de ouro como dizia a lenda. Agora que descera para o chão, não sabia por onde começar, onde estaria seu tesouro?
Apesar de extenuados continuavam caminhando até a aurora despontar, vermelha e clara , num Brasil desconhecido. Avistaram ao longe algumas casas. Ao aproximarem-se viram com grande alívio a estação de trens. Sem dinheiro, sem provisões, tantas coisas passavam pela mente às vezes como um sonho, às vezes como um pesadelo sem fim. E a primeira humilhação da lei de sobrevivência; precisar pedir, seja lá o que for, comida, favores... Quase mais nada restava de pertences, a não ser um livro de orações, presente de uma freira e um cordão de ouro que fora de sua mãe e que possuía o escudo de Davi...
Entraram num armazém. Tropeçando nas palavras Antonio Sanchez expôs a situação. Ao ver ouro, poucas palavras são necessárias. Lá ficou o último "recuerdo" de toda uma geração. O Homem deu-lhes uma quantia em dinheiro, muito abaixo do valor real. Foram até a estação compraram os dois bilhetes até onde o dinheiro dava...O que mais queriam era sumir daquele lugar. A fome apertava, repartiram um único pedaço de broa e dois ovos cozidos que Tereza sabiamente colocara num embornal.
Quando ouviu o apito do trem, ela sentiu um certo alívio no coração, mas ainda não sabia em que direção iriam, apenas entraram no vagão e finalmente se sentaram. Embora os bancos fossem de madeira dura, naquele momento tornaram-se uma bênção. Sentada perto da janela ela via as imensas plantações de café, passando, passando, monótonas, atordoantes. O balanço do trem e o cansaço fizeram-na adormecer profundamente por horas. Só acordou com os chamados insistentes do seu pai, sacudindo-a, tinham chegado ao fim da linha. Os bilhetes de passagem terminaram alí
Era a estação de "Ferraz Salles" em Ribeirão Bonito, onde os Agnelli possuíam o armazém. Tereza chegara ao fim do seu arco-íris. D. Giustina ao ver aquela moça delicada, com roupas sujas de lama e com um olhar firme de dignidade, tomou-se de compaixão. Ela que espantava os bêbados com porrete, tinha um coração de manteiga. Antonio Sanchez e sua filha tentavam explicar a situação num portunhol atrapalhado para uma família de Italianos, que pouco entendiam do português. Os fatos falam mais que as palavras, acabaram se entendendo com a linguagem do coração. Giustina como o próprio nome dizia era justa. Deu roupas limpas à Tereza. Alimentou-os como toda boa "mamma" Italiana. Deu-lhes abrigo.
Apesar de ainda estarem desconfiados os dois aceitaram a oferta. Sempre estavam alertas como todo sefardita "Cada cosa a su ora"... O filho de Giustina, Antonio Agnelli já moço, não conseguia tirar os olhos da linda espanhola, que resistia bravamente aos impulsos conquistadores dele. Tereza aprendeu Português, Italiano e a complicada contabilidade brasileira ao mesmo tempo. Vendo que a moça era de princípios fortes, muito diferente de suas conquistas anteriores, resolveu casar-se com ela. Os pais dele logo aprovaram a escolha mesmo porque Tereza era ótima para ajudar na contas do armazém. Casaram-se sem muita pompa na cidade de Ribeirão Bonito, no dia vinte e cinco de abril de 1912.
Além de Antonio, os Agnelli tinham outros filhos; Ernesto, Maria, Violindo, Ana, Itália, Deolinda, Josefina, Augusto e Lídia. Ernesto casou-se com Tereza Ambrósio, de Dourado; Maria com João Novaes, de São Carlos, onde possuíam a "Torrefação Novaes"; Itália foi para Bauru, casada com Edgar Bicudo. Josefina morreu dois meses após o casamento com Manuel de Almeida. Augusto casou-se com Marina Marcondes, de São Carlos, sendo pais de Terezinha e de José Augusto, moradores de São Carlos. Finalmente Lídia ,casada com César Guedes, sobrinho do padre que amaldiçoou Dourado. Dois filhos Fortunato e Marina. Foram morar em Curitiba.



Antonio e Tereza ao lado de genros e noras.




Justina Agnelli (filha de Antonio Agnelli e Tereza).




Tereza Agnelli e Zilda (filha).






Ver também:
Nossas Origens.

Festas Regionais.

Os Carneiros e a Estrela (Parte I).

Os Carneiros e a Estrela (Parte II).

Cartas de Germano Agnelli (2ª Guerra Mundial).


O Turismo em Dourado.

http://douradocidadeonline.blogspot.com/2010/08/dourado-e-o-turismo.html


“Não é possível você construir uma identidade num país que não tem memória. Através dessa informação histórica podemos mostrar o papel do imigrante na construção da sociedade moderna”.

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